“As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal”

por fcelentano

“As transformações do instinto exemplificadas no erotismo anal”. Freud, Obras Psicológicas Completas, vol. XVII.

  1. Os traços de caráter ordem, parcimônia e obstinação que têm em seu espelho a avareza, o formalismo e a obsessão indicam uma intensificação de componentes anal-eróticos. A questão, a partir de então, tornou-se a de saber qual o destino do erotismo anal após a organização genital definitiva? Preserva sua natureza original, mas é reprimido? É assimilado ou sublimado? Encontra lugar dentro da organização genital.
  2. Para explorar essas questões, Freud constrói uma séries de símbolos que podem nos dar pistas de como essa fase pré-genital, como a libido advinda de uma zona erógena e como a pulsão a ela vinculada se estruturam, ganham sentido na vida adulta. Os símbolos utilizados são as fezes, a dádiva e o dinheiro e, também, sua relação com pênis e bebê na organização do psiquismo feminino através da controversa teoria da inveja do pênis que seria substituído, no curso do desenvolvimento da libido feminina, pelo desejo de um bebê e cuja frustração pode levar à eclosão de uma neurose – o amor objetal na mulher somente se perfaria pela substituição do pênis por um homem, como um reforço libidinal inconsciente dentro do processo de castração ou, no caso de uma mulher em que os traços narcísicos são mais acentuados, pela escolha objetal do filho.
  3. O importante aqui, mais uma vez, volta ser ao símbolo das fezes, ou seja, daquilo que se pode dar e compartilhar, obedecendo a um comando, ou daquilo que se retém, onde se afirma uma vontade, um desafio (obstinação a um comando), retirando-se um prazer erógeno da zona por onde se retém e por onde se concede a dádiva. Há, certamente, aqui uma aplicação narcísica ao erotismo anal.
  4. Dessa maneira, o interesse pelas fezes permanece simbolizado como interesse pelo que é criado, pelo que pode ser retido, acumulado, sendo que o dinheiro assume simbolicamente essas características.
  5. Não se pode esquecer também que num primeiro momento a criança efetivamente pode associar o órgão masculino às fezes já que não o vê na mulher, crendo que ele pode ser destacado, criado, produzido. As fezes também se associam à imagem de pênis (que pode se tornar símbolo de poder ou dominação).
  6. Na mulher, as fezes e o pênis convergem em um impulso anal-erótico e em um impulso genital que dão origem à associação com o bebê, dádiva, uma criação. Dessa maneira fezes, pênis e bebê são os três corpos sólidos, forçando a penetração ou expulsão, estimulando passagens membranosas. Dessa forma, é interessante notar como uma correspondência orgânica reaparece na esfera psíquica como uma identidade inconsciente. (Essa frase é talvez, a mais interessante contribuição desse texto: a capacidade de simbolizar o próprio corpo e o corpo do outro, criando relações de objeto e significando essas relações em termos de dádiva/criação, dominação/ retenção e até mesmo acumulação).
Frederico Celentano